domingo, 20 de dezembro de 2015

Uma história prá contar

     A memória é uma coisa engraçada. Esconde e traz à tona fatos que deveriam ficar esquecidos, e escolhe momentos, às vezes inadequados, para remenda-los de volta à nossa vida.
     Essa semana, um fato ocorrido com uma pessoa muito querida, me levou ao de 2004. Antes do episódio, devo situá-lo, caro amigo, cara amiga, das condições em que estava vivendo.
        Morava com uma pessoa, já há mais de cinco anos, três filhos: dois meninos e uma menina. Esta pessoa não trabalhava (vítima de paralisia infantil), e era subsidiado pelo governo com um salário mínimo. Um carrinho de churros nos ajudava em algo na nossa pequena renda, e eu era quem fabricava e vendia.  
     Estava terminando o ensino médio. Essa fase da escola, para muitos, é uma fase corriqueira. Para mim, uma fase crucial para as mudanças que estariam por vir.
    Por causa da segunda gravidez, o segundo ano do ensino médio foi complicado. Meu filhinho nasceu em abril, passei os meses antes das férias curtinho o bebê, mas depois das férias, eu tinha que retornar à escola, ou perderia o ano. Já havia perdido um ano na primeira gravidez, e não pretendia perder de novo.
Ir prá escola com um bebê não é fácil: levava num carrinho que ganhei de alguém, assim como a maioria das minhas coisas. Um ônibus, providencialmente, passou até este ano na frente de casa, na parte da tarde, o que me fazia ir à escola com menos sacrifício, e na volta, uma caminhada de quase quarenta minutos.
     Na escola, o bebê ficava no carrinho e eu o balançava... até quando acordava, chorava, e eu tinha que sair para amamentar ou trocar a fralda de pano. Quando ele ficava acordado, eu me mantinha de pé na porta da sala, para assistir a aula e evitar que ele atrapalhasse. Foi nesse cenário que ouvi da professora: ”Estão vendo no que dá, colocar o carro na frente dos bois?”. Eu ouvia tudo calada, mas triste, por ser um exemplo ruim. Mas que podia fazer? A única certeza de quem não tem nada, é que se é possível alcançar algo através do esforço. Assim, fui para o terceiro ano, cheia de orgulho pelo feito, e inocente, sem saber que aquele seria o menor dos sacrifícios.
       Mas alembrança da qual me referi neste texto foi com uma pessoa muito querida. Ao vê-la entristecida por não poder resolver problemas de saúde de um familiar, por causa de sua situação econômica, lembrei-me repentinamente que isso já aconteceu comigo várias vezes... mas numa em especial, me fez gritar, silenciosamente, por uma promessa.
        Minha filha doente, não lembro quais todos os sintomas, mas se manifestava algo na pele... fui ao posto de saúde e horas depois fomos atendidas. Ao receber a notícia de que era algo simples de tratar, saí com um receituário para retirar o medicamento ali mesmo, pois o governo oferecia. Acabei frustrada ao saber que o medicamento estava em falta, mas ouvi a frase mais dura para mim naquele momento: "Não tem problema, moça, o remédio é bem baratinho, custa em torno de dez reais...". Precisaria de uma postagem inteira só para descrever a minha sensação de impotência naquele momento. Saí abraçada à minha filha, chorando em silêncio, olhando com raiva para as pessoas da rua, por saber que tinham essa quantia e "jogavam fora" com um lanche, e eu ali, abraçada aquele anjo, fazendo promessas para anos seguintes.  Minha menina melhorou, não se preocupem, obriguei o pai a pedir dinheiro emprestado a alguém da família, mas a revolta havia se instalado em mim. Antes era um incômodo de estar no lugar errado e com pessoas erradas, mas a partir daquele momento, o caos estava para se instaurar e causar alguma mudança!

      Nossa... me perdi nas memórias. Lembro-me de começar escrever algumas linhas para contar um fato isolado, mas pelo que estou percebendo, precisarei de mais linhas e paciência dos leitores. Existem partes dessa história, que conto uma vez por ano, para motivar pessoas. Vou aproveitar este espaço e esta oportunidade para retirar o máximo das minhas lembranças, e mostrar para mais pessoas, que força e superação não andam sozinhas, e que dependem só de você. Escreverei mais, e convido à todos a acompanhar cada postagem e deixar seus comentários, para me orientar e não me perder em meio ao meu passado, até agora tão propositalmente esquecido...